Governo da Ucrânia pede milhões à Europa enquanto cilindra manifestações
A presença em Kiev da representante da União Europeia para a Política Externa e de uma subsecretária de Estado norte-americana em nada demoveu as autoridades ucranianas de desencadearem, na madrugada desta quarta-feira, mais uma vaga de repressão sobre os manifestantes e políticos da oposição congregados na Praça da Independência e na Câmara da cidade. Mas o assalto acabou por reforçar os protestos. E a polícia antimotim retirou-se debaixo de festejos entre as fileiras da Euromaidan, como é designada a concentração de protesto pela aproximação do poder político da Ucrânia à Rússia. Do Governo saiu entretanto uma condição para um eventual acordo com os europeus: 20 mil milhões de euros em assistência financeira.
Há agora um número colocado em cima da mesa pelo Governo da Ucrânia. Se a Europa dos 28 quiser celebrar um acordo de associação com Kiev, terá de entrar com um pacote de assistência financeira de 20 mil milhões de euros. A condição foi enunciada através da televisão do país pelo próprio primeiro-ministro. E já desvalorizada quer pela representante da União Europeia para a Política Externa, Catherine Ashton, quer pelo Governo alemão de Angela Merkel, que fala de uma "manobra de diversão".
"Propomos resolver este assunto através da oferta de assistência financeira à Ucrânia. Fixámos o montante aproximado: 20 mil milhões de euros", afirmou Mykola Azarov, para depois explicar que não seria uma injeção "a fundo perdido", antes um pacote de investimentos destinado a compensar as consequências de uma viragem para Bruxelas, ao invés de Moscovo. Leia-se: para poder fazer face ao concretizar da ameaça de um verdadeiro garrote económico a impor pelo Kremlin de Vladimir Putin aos 46 milhões de habitantes da antiga república soviética.
O poder encabeçado pelo Presidente pró-russo Viktor Ianukovitch escolheu divulgar esta proposta no momento em que recebe em Kiev Catherine Ashton e a subsecretária de Estado norte-americana Victoria Nuland.
Ambas as responsáveis associaram-se publicamente à causa dos manifestantes concentrados no centro da capital ucraniana e, por arrasto, aos elementos da oposição que têm capitalizado os protestos. Nuland fez até questão de ir falar com manifestantes à Praça da Independência, onde distribuiu pão. Gestos que tornarão ainda mais improvável qualquer forma de consenso com o atual Governo.
"Uma grande vitória"
Enquanto prossegue o jogo diplomático, sucedem-se os ciclos de violência nas ruas da capital. Desta feita são os manifestantes que há mais de duas semanas alimentam a Euromaidan (uma derivação do termo ucraniano para praça, maidan) que clamam vitória na sequência da última carga policial.
Os relógios locais marcavam as 2h00 (0h00 em Lisboa) quando a polícia antimotim exerceu novas medidas repressivas sobre os manifestantes na Praça da Independência, procurando remover barricadas e tendas ali instaladas. Mas também contra os membros da oposição "aquartelados" desde segunda-feira no edifício da Câmara de Kiev. A resistência foi inflamada no primeiro e no segundo locais.
Largos milhares de ucranianos rumaram, entretanto, ao centro de Kiev para reforçar a concentração em resposta às cargas policiais, que se saldaram em pelo menos dez feridos entre os manifestantes e dois entre as forças de segurança, além de 11 detenções, incluindo a de um deputado da oposição. Ao início da manhã, as agências internacionais apontavam já para uma massa de dez mil pessoas na praça que em 2004 foi o epicentro da chamada Revolução Laranja. E que já albergou centenas de milhares ao longo das últimas semanas.
A polícia de intervenção acabou por abandonar os locais críticos dos protestos, dando azo a sonoras celebrações por parte dos manifestantes, que cantaram o Hino do país. Arseny Yatsenyuk, um dirigente oposicionista da corrente política de Iulia Timoshenko - a figura de proa da Revolução de 2004, atualmente detida -, apressou-se a reivindicar "uma grande vitória". Garantiu também que "não haverá perdão" para o Presidente e o primeiro-ministro e prometeu mesmo juntar "milhões de pessoas" nos próximos dias para "fazer cair o regime".
Confrontada com estes acontecimentos, a britânica Catherine Ashton recorreu à rede social Twitter para reprovar as ações das autoridades ucranianas, escrevendo que "não tinham de atuar a coberto da noite para se dirigirem à sociedade mediante o uso da força".
Em comunicado, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, deplorou, por seu turno, a "decisão das autoridades ucranianas de enfrentar o protesto pacífico na Praça de Kiev com polícia antimotim, bulldozers e bastões, ao invés do respeito por direitos democráticos e pela dignidade humana".